segunda-feira, novembro 01, 2010

P

Claramente era perceptível que ela sorria para mim enquanto eu fazia aquela cara de paisagem, disfarçando qualquer tipo de reação sobre aquele sorriso e olhar penetrante e nem um pouco comum, aqueles olhos comiam-me por inteiro, eram gigantes e perturbadores.
Tinha uma vontade incessante de ir ao seu encontro e falar-lhe “Por que olha tanto?”, contudo não tinha tempo para isso (pois com certeza isso levaria a uma discussão) e minha pequena podia a qualquer momento.
Com quinze minutos de atraso, minha pequena chegou. Estava graciosa. Seus médios cabelos arruivados brilhavam em plena noite, seu corpo finalmente admitiam suas curvas com a roupa que estava usando e seu rosto ainda infantil a deixava mais bela. Quando me viu, acenou para mim. Busquei-a, dei-lhe um beijo e fomos diretamente à mesa onde eu estava enquanto a esperava.
Quando chegamos à mesa, olhei ao redor e não encontrei aquela desconhecida que sorria e olhava para mim com tanto fervor. Durante todo o período do jantar não consegui sequer concentrar nas palavras que saiam da boca da minha menina. Simplesmente estava fixado naqueles olhos gigantes e perturbadores que pareciam que me contavam algo.
Fiquei neste estado (fixado) durante a semana inteira, não conseguia pensar em mais nada, dentro de mim eram somente devaneios voltados àqueles olhos e arrependi-me profundamente por não ter lhe perguntando o motivo daquele olhar, estava completamente frustrado e obcecado. Não conseguia descobrir o que se passava naquele olhar, naquele sorriso, apenas tinha suposições que com certeza eram totalmente fracassadas, minha mente não processava nenhum pensamento racional sobre aquilo, era muito mais complicado do que eu podia imaginar.
Chegou sexta-feira, precisava fazer compras no supermercado, meu armário já não estava mais abastecido; sabia que ia enfrentar um trânsito que fatalmente iria me deixar estressado, mas fazer o quê? Cidade grande era assim mesmo e até o meu interior logo ia acabar tornando assim também.
Entrei no carro e vou em direção ao supermercado. Cheguei à avenida principal movimentada como sempre. O semáforo ficou vermelho. Olhei então para a calçada, até que vi a mulher que tanto me perturbou durante a semana. Fiquei exaltado com a idéia que podia finalmente tirar aquela dúvida, que não saía da minha cabeça. Com a cabeça evaporando idéias, escuto um barulho. Era um tiro. Dentro do meu carro vejo pessoas correndo desesperadas. Então olho novamente para a calçada a procura daquela mulher e quando a vejo estava no chão, seu sangue estava esparramado por toda a calçada, estava morta. O sinal abre. Acelero o motor, sigo o meu caminho, sem saber o que fazer ou sentir.